O subsolo da cidade fervilhava com o som de batidas pesadas e versos afiados. Na arena dos *freestyle battles*, três nomes eram lendas: **Jay Nite**, o letrista filosófico, cujas rimas eram labirintos inteligentes; **YarddieStyle**, a fera carismática com um fluxo inimitável e sotaque caribenho que dominava o palco; e **King Kurve**, o técnico meticuloso, mestre dos trocadilhos complexos e reviravoltas verbais.
Eles eram irmãos de mic, mas também rivais amigáveis. A competição era o oxigênio deles. Até a noite em que **John Thomas** entrou no cômodo.
John não era um MC. Era o novo dono do bar “The Velvet Note”, um lugar de jazz suave e decoração retrô que herdou do tio e estava, decididamente, falindo. Ele foi à batalha por sugestão de um amigo, buscando uma energia nova, uma ideia para salvar seu negócio. Vestido em uma camisa plana e com um olhar de perplexidade genuína, ele parecia um pássaro exótico perdido em um aviário de falcões.
A batalha estava acirrada. Jay Nite falava sobre solidão urbana. YarddieStyle incendiou a platéia com seu carisma tropical. King Kurve entortou a lógica com seus versos em espiral. No intervalo, John, impressionado e com um ímpeto de empresário desesperado, foi até eles.
— Isso foi incrível — disse John, sua voz um contraste suave com os ecos roucos do som system. — Meu nome é John. Tenho um bar… e está morrendo. Preciso de algo assim. Algo vivo.
Os três rappers olharam para ele, desconfiados. Um bar de jazz querendo batidas de rap? Era como misturar água e óleo.
— Que tipo de “algo assim”, branquelo? — perguntou Yarddie, sem malícia, mas com ceticismo.
— Algo verdadeiro — John respondeu, seus olhos passando por cada um. — Algo que tenha a inteligência do Jay, a energia do Yarddie e a… surpresa do Kurve. Uma noite. Sem competição. Só colaboração.
A proposta era absurda. E, por isso, de alguma forma, intrigante. Jay viu uma chance de explorar uma nova forma. Yarddie viu um público potencial novo. Kurve viu um quebra-cabeça logístico interessante. E John… John viu algo além da salvação do seu bar. Viu uma centelha de vida genuína naquelas três personalidades tão fortes.
As semanas de ensaio no “The Velvet Note” transformaram o lugar. Jay Nite descobria que suas letras sobre solidão ganhavam nova profundagem quando seguidas pelo flow caloroso de Yarddie. King Kurve escrevia pontes que conectavam seus trocadilhos às histórias de superação que Yarddie contava. John observava, ajustando a iluminação, sugerindo uma pausa aqui, um refrão ali. Sua visão era a cola.
E ele fazia mais. Trazia cafés quando as sessões iam até de madrugada. Aprendeu os nomes de suas crew, lembrava de suas histórias. Sua admiração por seu talento era transparente, mas sua atenção ao seu cansaço, ao seu esforço humano, era o que realmente começava a criar um laço.
Cada um, à sua maneira, começou a notar John. Jay apreciava sua escuta quieta, um porto seguro após a tempestade de palavras. Yarddie era atraído por seu sorriso fácil e pela forma como ele nunca se intimidava com suas brincadeiras altas. Kurve admirava sua mente estratégica, a maneira como ele pensava no show como um todo, não apenas nos versos.
A noite do show foi mágica. O “The Velvet Note” estava abarrotado. A fusão de jazz instrumental com beats de rap, as três vozes entrelaçando-se em harmonia em vez de conflito, foi uma revelação. No auge da noite, durante uma música lenta composta por Jay, algo aconteceu. Yarddie, normalmente explosivo, entregou um verso vulnerável sobre encontrar lar em lugares inesperados. Kurve seguiu com uma metáfora perfeita sobre conexões que se curvam e se ajustam. E Jay terminou olhando diretamente para John, que estava ao lado do bar, com um sorriso de orgulho tão grande que iluminava seu rosto, e rimou: “*E o maestro sem batuta, só com o olhar, / Sincronizou o caos e fez a harmonia encontrar.*”
O sucesso foi estrondoso. O bar foi salvo. Mas algo maior havia nascido.
Nos camarins depois, o cansaço era doce. Yarddie foi o primeiro a quebrar o silêncio pós-adrenalina.
— Então, John Thomas… você armou isso tudo só para salvar seu bar, ou tinha um plano secreto pra juntar os três coroas solitários da cidade? — brincou, descansando o braço nos ombros de Jay.
John corou. — O plano era salvar o bar. O… bônus foi inesperado.
King Kurve ajustou os óculos, um sorriso raro nos lábios. — Fato: a colaboração teve uma taxa de eficácia de 98%. O 2% restante é variável emocional não mapeado.
Jay Nite, sempre o mais introspectivo, olhou para os três. Para Yarddie, com seu coração exposto em forma de energia. Para Kurve, com sua mente afiada escondendo um afeto desajeitado. E para John, o catalisador, o ponto de ancoragem.
— O 2% — disse Jay, sua voz suave carregando o peso de uma nova verdade — é o que a gente vai descobrir agora. Juntos.
E assim, de uma batalha de egos e de um bar à beira da falência, surgiu um quarteto. **Jay Nite, YarddieStyle e King Kurve** descobriram que sua maior colab não era musical, mas emocional. E **John Thomas** descobriu que o amor, às vezes, não tem uma batida simples. Ele pode vir em três vozes distintas, que, quando unidas pelo ritmo certo, criam uma harmonia perfeita e totalmente sua.




