O vento soprava frio contra as vidraças do apartamento de Zdenek Kucera, conhecido online como ZdendaXO. Lá dentro, porém, reinava uma ordem impecável e um silêncio quase sagrado. Cada livro na estante estava alinhado por altura e cor, as almofadas do sofá formavam um ângulo perfeito e o único som era o tique-taque suave do relógio de parede. Era o santuário de Zdenek, um arquiteto que acreditava que a beleza estava no controle e na previsibilidade.
Tudo mudou com a chegada de Kane Archer no apartamento ao lado.
Kane era um dublador, e sua vida era uma sinfonia de caos controlado. Sua voz, um instrumento capaz de transitar de sussurros profundos a gritos heroicos, ecoava pelo corredor. A primeira vez que se viram, Kane, carregando uma pilha instável de caixas de mudança, quase esbarrou em Zdenek.
“Whoops! Desculpe aí, vizinho!”, Kane disse com uma risada fácil, seus olhos verdes brilhando de um modo que perturbou a compostura de Zdenek.
“Sem problemas”, Zdenek respondeu, com um aceno breve, retirando-se para a segurança de suas quatro paredes perfeitamente simétricas.
Nos dias que se seguiram, Zdenek descobriu que evitar Kane era impossível. Ele aparecia na porta para pedir uma xícara de açúcar às 10 da noite, para perguntar se o barulho da sua prática de dublagem estava alto demais, ou simplesmente para puxar assunto. Kane era o oposto de tudo o que Zdenek era: espontâneo, barulhento e gloriosamente desorganizado.
Apesar de si mesmo, Zdenek começou a ceder. A bagunça de Kane era irritantemente cativante. Ele notou a maneira como os olhos de Kane se iluminavam quando ele falava sobre um novo personagem, a gentileza genuína por trás de seus gestos extravagantes.
O ponto de virada foi uma falha de energia em todo o prédio numa noite fria. Zdenek, acostumado à previsibilidade, estava irritado. Então, ouviu uma batida na porta. Era Kane, envolto em um cobertor, segurando duas velas e uma garrafa de vinho.
“Parece que a ordem perfeita do universo falhou, Zdenda”, disse Kane, usando o apelido online de Zdenek com uma familiaridade que deveria ser irritante, mas não era. “Pensei que poderíamos esperar a luz voltar juntos.”
