YarddieStyle breeds Alex Uriel
O bairro todo sabia: onde o som alto batia, lá estava **YarddieStyle**. Não era apenas um DJ, era uma força da natureza. Das caixas de som montadas na garagem aberta de sua casa, ele comandava as tardes de sábado, misturando dancehall jamaicano com o funk do morro, criando um ritmo único, quente e contagiante que fazia as crianças dançarem na calçada e as velhas senhoras balançarem os quadris discretamente atrás das cortinas. Seu mundo era batida, baixo e a comunidade pulsante ao seu redor.
Do outro lado da rua estreita, numa casa com janelas sempre fechadas, vivia **Alex Uriel**. Um violinista clássico, sua vida era regida por metrônomo, partituras de Bach e a busca por um som perfeito e intangível. Enquanto Yarddie (como todos o chamavam) vibrava as vidraças, Alex lutava contra um trecho difícil de um concerto, sua música um fio de prata delicado e melancólico abafado pelo terremoto ao lado.
Era guerra fria. Alex, de óculos escuros e fones de ouvido com cancelamento de ruído, lançava olhares mortais sempre que cruzava com Yarddie, que respondia com um sorriso largo e um aceno despreocupado. “Artista tem que sentir o povo, irmão!”, gritava Yarddie. Alex só revirava os olhos.
O clímax parecia inevitável: o recital de final de semestre de Alex. A apresentação mais importante de sua carreira, que aconteceria em sua sala, transmitida online para uma banca de professores exigentes. E, é claro, marcada para um sábado à tarde.
Na manhã do recital, o desespero tomou conta de Alex. Ele ensaiava, suando, mas cada nota era ameaçada pela batida prévia que já ecoava da garagem de Yarddie. Ele não aguentou. Foi até a porta do vizinho, não para pedir, mas para declarar guerra.
Yarddie o atendeu, sem camisa, já no clima. “E aí, maestro! Hoje é dia de…”
“Silêncio!”, a voz de Alex saiu estridente, carregada de um pânico que soou como raiva. “Preciso de silêncio hoje. Pelo amor de Deus, apenas *um* dia de silêncio!”
Ele esperava uma briga. Uma risada. O que viu foi Yarddie observando seu rosto pálido, suas mãos tremendo. O DJ desligou a música de dentro de casa com um controle remoto. O silêncio foi repentino e profundo.
“Qual é o problema, irmão?”, perguntou Yarddie, sério pela primeira vez.
Alex, envergonhado e ainda tremendo, explicou. O recital. A pressão. A música perfeita que nunca soava perfeita o suficiente.
Yarddie coçou o queixo, pensativo. “Entendi. Tá nervoso. Vai tocar pra uns caras sérios aí, pelo computador.”
Alex assentiu, exausto.
“Tá errado,” disse Yarddie, simplesmente. “Música, de qualquer tipo, não é pra ser perfeita. É pra ser *viva*. É pra chegar nas pessoas. Meu som chega. O seu… tá preso aí dentro, com medo.”
Antes que Alex pudesse retrucar, Yarddie fez algo inesperado. “Me mostra essa música.”
Relutante, Alex o levou para dentro. O contraste era chocante: a austeridade do apartamento de Alex contra a energia colorida que parecia irradiar de Yarddie. Alex pegou o violino e tocou as primeiras notas angustiadas do concerto.
Yarddie ouviu, de olhos fechados. Não como um crítico, mas como um ouvinte. Quando Alex terminou o trecho, ele abriu os olhos.
“Tá bonito. Mas tá frio. Tá com medo de errar. Só vai esquentar quando você esquecer os caras sérios e tocar pra alguém de verdade.” Ele apontou para si mesmo. “Toca de novo. Só pra mim.”
Alex, duvidando de tudo, ergueu o violino novamente. Dessa vez, com Yarddie na sala, sua presença maciça e calma, algo mudou. Ele tocou não para a banca, mas para aquele homem que, minutos antes, era seu inimigo. A música ainda era complexa, mas ganhou um fio de emoção, uma vulnerabilidade que antes não tinha.
Quando a última nota morreu, Yarddie acenou com a cabeça, um sorriso genuíno no rosto. “*That’s it*. Agora você entendeu.”
Na hora do recital, Alex se sentou, o coração batendo forte. Do lado de fora, um silêncio absoluto. Ele começou a tocar. E então, no meio do primeiro movimento, algo sutil aconteceu. Uma batida baixa e profunda, quase imperceptível, começou a vir da casa ao lado. Não era uma invasão. Era uma base. Um pulso. Yarddie tinha colocado uma faixa de baixo muito discreta, um simples *thump-thump* no compasso exato da peça.
Era a coisa mais proibida, mais herética possível no mundo clássico de Alex. Mas, em vez de pânico, ele sentiu… apoio. Uma fundação. A música dele, aquela linha de prata, agora tinha a terra firme da batida de Yarddie para se erguer. Ele tocou como nunca. Com paixão, com raiva, com beleza. Com *vida*.
A transmissão terminou. Alex estava ofegante. A primeira coisa que viu foi Yarddie na janela de frente, dando um joinha.
O beijo aconteceu na calçada, no fim da tarde, quando Alex foi agradecer. Não foi planejado. Foi a convergência natural de dois ritmos que haviam encontrado sua harmonia. O gosto foi de café forte (Yarddie) e chá de camomila (Alex), de suor e verniz de corda.
Agora, as tardes de sábado no bairro são ainda mais famosas. Yarddie ainda comanda as ruas. Mas, se você ouvir com atenção, em algumas faixas, entre a batida do funk e o ritmo do dancehall, consegue escutar o fio de prata e melancolia de um violino, misturado perfeitamente na batida. E dentro da casa de Alex, há sempre uma cadeira reservada onde o DJ se senta para ouvir o violino tocar, provando que o amor, como a melhor música, nasce quando dois ritmos completamente diferentes descobrem que podem criar, juntos, uma sinfonia inteiramente nova.




