UrsoVision fucks and creams Nelso Garcia
A cidade vivia sob o olhar constante de UrsoVision. Câmaras de vigilância de alta definição, instaladas pela empresa de segurança mais poderosa do mundo, capturavam cada movimento, cada expressão, cada respiração nas ruas. O slogan era claro: “UrsoVision: Nada Escapa ao Nosso Olhar.” O seu fundador, um homem solitário conhecido apenas como “Urso”, governava o seu império a partir de uma sala de controlo sterile, convencido de que a ordem total era a única forma de garantir a segurança.
Nelson Garcia era um artista de rua. Especialista em grafitos feitos com stencil e tinta que desaparecia com a chuva, ele era o antítese de UrsoVision. As suas obras — um beijo fugaz num canto de parede, uma flor brotando no asfalto, um pássaro a voar de uma sarjeta — eram efêmeras, destinadas a ser descobertas por acaso e esquecidas no dia seguinte. Eram pequenas rebeliões de beleza contra a permanência do aço e do vidro.
Uma noite, Nelson pintou a silhueta de duas crianças a brincar à corda na lateral de um prédio de escritórios. Foi uma imagem tão pura e simples que, quando as câmaras de UrsoVision a captaram ao amanhecer, algo estranho aconteceu no coração do sistema. Um algoritmo de reconhecimento de padrões, programado para detetar “atividade suspeita”, identificou a imagem não como uma ameaça, mas como uma anomalia de pura e desarmante inocência. O alerta subiu diretamente para a mesa de Urso.
Intrigado, Urso ordenou que rastreassem o artista. Em vez de o prender, começou a observar. Viu Nelson pintar um gato a dormir ao sol num banco de jardim, um casal idoso a dançar num parque de estacionamento vazio, uma chávena de café fumegante na berma de um passeio. E, pela primeira vez, as telas de UrsoVision, sempre repletas de dados e potenciais perigos, mostraram-lhe algo que ele não via há anos: a poesia escondida na vida comum.
Urso, o homem que tudo via, sentia uma solidão atroz. A sua vida era uma sucessão de relatórios de segurança e paredes brancas. As criações fugazes de Nelson eram como janelas abertas para um mundo do qual ele se tinha isolado.
Decidiu fazer algo impensável. Numa madrugada, dirigiu-se a um local onde sabia que Nelson iria atuar. Esperou na sombra, longe das suas próprias câmaras. Quando Nelson apareceu com a sua lata de tinta, Urso saiu do escuro.
Nelson esperou pela repreensão, pela prisão. Mas o homem de fato impecável apenas disse:
— A sua flor na caixa de eletricidade… fez-me lembrar do jardim da minha avó.
Foi o início de um diálogo silencioso e perigoso. Urso começou a usar o seu próprio sistema para proteger Nelson. Desligava câmaras, criava rotas seguras, apagava registos. Em troca, Nelson, sem saber a identidade do seu misterioso protetor, começou a criar arte para ele. Pintou um pequeno urso a olhar para as estrelas num muro, com a legenda: “Até os ursos precisam de sonhar.”
Urso viu a pintura na sua monitor e sentiu um nó na garganta. Ele, que tinha o poder de ver toda a cidade, sentiu-se finalmente *visto*.
O encontro inevitável aconteceu. A equipa de segurança de UrsoVision apanhou Nelson a pintar um retrato do próprio Urso, não como o tirano impessoal que todos temiam, mas como um homem a segurar uma câmara partida, de onde saía uma videira em flor. Desta vez, a ordem de prisão foi dada pelos seus subordinados.
Na sala de controlo, frente a frente, Nelson finalmente percebeu quem era o seu protetor.
— Porquê? — perguntou Nelson, confuso. — Porque me protegeste?
Urso olhou para as dezenas de ecrãs que mostravam a cidade perfeita e controlada que construíra.
— Porque eu via tudo, menos a beleza. E tu ensinaste-me a vê-la de novo.




