O boy da praça – Jeff Carvalho and Pietro Luide
O estúdio de Jeff Carvalho cheirava a tinta a óleo e café amargo. Era um caos organizado, com telas coloridas capturando paisagens urbanas de São Paulo em pinceladas ousadas. Foi em meio a esse caos criativo que Pietro Luide entrou, não pela porta, mas pela tela que Jeff tentava terminar.
“Desculpe o atraso”, disse Pietro, a voz suave contrastando com sua presença marcante. Ele era modelo da vida, contratado para uma série de poses, mas desde o primeiro instante, algo estranho aconteceu. Jeff, que normalmente ditava as poses com autoridade, ficou parado, pincel no ar, olhando não para o homem, mas para a luz que acariciava sua linha do maxilar.
“Sem problemas”, Jeff respondeu, a voz um pouco rouca. “Pode se acomodar ali.”
As sessões seguiram, três vezes por semana. O silêncio entre eles não era desconfortável; era preenchido pelo som do carvão raspando no papel, pela respiração calma de Pietro e pelos suspiros inconscientes de Jeff. Ele começou a ver detalhes: a pequena cicatriz acima da sobrancelha de Pietro, a maneira como seus dedos repousavam no joelho, a sombra que seus cílios longos projetavam.
Um dia, durante uma pausa, Pietro andou pelo estúdio, observando as pinturas. Parou diante de um esboço, um estudo de mãos.
“Essas são minhas mãos”, ele notou, surpreso.
Jeff corou. “É um exercício. Para capturar a… textura.”
Pietro olhou para ele, um leve sorriso nos lábios. “Você pinta o que vê ou o que sente?”
A pergunta pairou no ar, mais pesada que qualquer vapor de tiner. Jeff não respondeu.
A tensão cresceu, palpável como a umidade antes da chuva. Até que, numa tarde em que a luz do outono entrava dourada, Jeff errou. A mão trêmula deixou escorrer uma mancha de vermelho cadmio no branco imaculado da camisa de Pietro.
“Merda! Desculpa!”, Jeff exclamou, correndo com um pano.
Pietro pegou sua mão no ar, segurando-a firmemente. A tinta vermelha manchou os dedos de ambos.
“Está tudo bem”, sussurrou Pietro, e o mundo parou.
O primeiro beijo veio no sofá esfarrapado do estúdio, com cheiro de tinta e suor e verdade. Foi desajeitado, urgente, doce. Como misturar as cores perfeitas depois de tanto tempo em tons de cinza.
Jeff começou a pintar de forma diferente. As paisagens urbanas deram lugar a retratos, não apenas de Pietro, mas do que ele representava: a tranquilidade, o lar, o amor que encontrava nos olhos castanhos do modelo. Pietro, por sua vez, que sempre se sentira um objeto a ser observado, sentiu-se visto, verdadeiramente visto, pela primeira vez.
O amor deles não era um conto de fadas, mas algo mais sólido. Havia discussões sobre as toalhas molhadas no chão, sobre o tempero certo do feijão, sobre a solidão nas viagens de trabalho de Pietro. Mas sempre havia o regresso, ao estúdio, ao sofá, ao abraço que aconchegava a alma.
Num aniversário de três anos, Pietro presenteou Jeff com uma pequena caixa. Dentro, uma chave.
“É para o apartamento ao lado”, explicou Pietro, nervoso. “Não para morarmos juntos, se não quiseres. Mas para termos um espaço… nosso. Maior que um sofá.”
Jeff abriu um sorriso, os olhos marejados. Em troca, entregou a Pietro uma tela coberta. Ao ser virada, revelava um retrato dos dois, entrelaçados no sofá velho, banhados pela mesma luz dourada daquela tarde decisiva. No canto, a assinatura: “Jeff & Pietro, 2023”.
A história de Jeff Carvalho e Pietro Luide não era sobre um amor que abalou o mundo. Era sobre um amor que construiu um mundo, a partir de silêncios compartilhados, de uma mancha de tinta vermelha e da coragem de ver, e ser visto, em todas as cores possíveis.




