O “Cala-Boca”, o bar de karaokê da esquina, era o templo de Tam Twinky. Duas vezes por semana, ela subia no palco minúsculo, vestindo algo brilhante, e transformava canções pop bregas em performances épicas e auto-irônicas. Seu refúgio era aquele microfone e as risadas aprováveis dos frequentadores.
Reece Scott odiava karaokê. Para ele, um arquiteto que desenhava linhas retas e preenchia planilhas, aquilo era o caos em sua forma mais pura. Mas era o aniversário de sua sócia, e o “Cala-Boca” era o lugar escolhido.
Ele se encolheu em um banco no fundo, tentando se tornar invisível. E então, Tam subiu ao palco. “I Will Survive”. Ela não estava apenas cantando; estava encenando, exagerando cada drama, piscando para a plateia, transformando um hino de superação em uma comédia gloriosa. Reece, contra sua vontade, sentiu os cantos de sua boca se curvarem. Ele não riu. Ele sorriu.
Na semana seguinte, ele voltou. Sozinho. Só para vê-la cantar “Like a Prayer” com a devoção exagerada de uma freira em crise existencial.
Reece era um observador. Notou que, depois do show, enquanto todos riam e compravam drinks para ela, Tam sempre tirava um momento sozinha no banco do fundo, com um copo de água, o sorriso performático dando lugar a uma expressão serena, quase cansada. A persona no palco era uma construção. A mulher no banco era real.
Uma noite, Tam anunciou uma música terrível dos anos 80. “Total Eclipse of the Heart”. O áudio falhou no meio do clímax dramático. O silêncio foi abrupto. A plateia vaiou de brincadeira. Tam ficou parada, sem saber o que fazer, sua armadura de confiança rachando por um segundo.
Então, uma voz surgiu do fundo, limpa e afinada, cantando a próxima linha a cappella. Era Reece. Ele não se levantou, não fez pose. Apenas cantou, seus olhos fixos nela, mantendo a música viva.
Tam olhou para ele, surpresa. Depois, um sorriso genuíno, não performático, iluminou seu rosto. Ela se juntou a ele, e por alguns compassos mágicos, foi só ela e aquela voz inesperada no escuro, sustentando a canção juntos.
Quando a música acabou e as luzes voltaram, a plateia foi à loucura. Tam desceu do palco e foi direto até sua mesa.
“Você”, ela disse, sem fôlego. “Você estraga todas as minhas performances dramáticas.”
“Eu sei”, Reece respondeu, um verdadeiro sorriso finalmente estampado em seu rosto. “É que eu prefiro a versão de verdade.”
Tam pegou sua mão. “Vamos sair daqui. Este lugar é muito barulhento para uma conversa.”
Do lado de fora, sob a luz de néon do “Cala-Boca”, os dois mundos se encontraram. A mulher que fingia ser maior que a vida e o homem que preferia o silêncio descobriram que a melodia mais doce não estava no palco, mas no espaço tranquilo entre eles.




