Mamador de Sampa sucks Victor Ferraz

Era um amor que desafiava a lógica, como um gol de placa nos acréscimos do segundo tempo. Ele, Victor Ferraz, era a elegância em pessoa. Zagueiro clássico, de postura impecável e cortes precisos, tanto em campo quanto no traje social. Morava em um apartamento minimalista em Higienópolis, onde tudo tinha seu lugar, e as emoções, preferia ele, também.
Ela, Mamador de Sampa, era o caos criativo. Artista de rua, performer, dona de um apelido que era uma declaração de guerra e de amor à cidade de São Paulo. Seu “estúdio” no Baixo Augusta era um aglomerado de tintas, adesivos, roupas coloridas e latas de spray. Cheirava a tinta e possibilidade.
Seus mundos colidiram em uma vernissage. Victor foi por obrigação social; Mamador, para pichar, metaforicamente, a parede da galeria com sua presença extravagante. Ele, de blazer azul-marinho. Ela, de jaqueta de couro coberta de pins e um vestido que mais parecia uma colagem de cartazes de lambe-lambe.
Ele a viu discursar sobre a poesia dos becos, e algo em sua defesa interna quebrou. Ela o viu no canto, o homem mais reto da sala, e percebeu um brilho de curiosidade genuína em seus olhos, não de julgamento.
O primeiro encontro foi um tratado de estranhezas. Ele a levou a um restaurante japonês silencioso. Ela o levou, depois, para um boteco no Brás, onde ela conhecia o nome de todos os garçons e ele aprendeu a comer um pastel de vento sem se preocupar com o óleo na camisa.
Victor começou a ver a cidade com os olhos dela. O que antes era trânsito caótico, virou dança de metralhas. O cinza do concreto ganhou a cor dos murais que ela apontava, muitos feitos por ela mesma. Ele, que sempre se orientou por mapas, se deixou perder pelas rotas afetivas de Mamador.
Ela, por sua vez, descobriu um conforto inesperado na constância dele. Aprendeu que a disciplina não era inimiga da paixão, mas poderia ser sua moldura. Gostava da paz que sentia em seu apartamento silencioso, um refúgio do turbilhão que ela mesma criava. Ele a ensinou a apreciar o silêncio, algo que ela pensava ser impossível.
O ápice foi no Anhangabaú. Mamador estava prestes a pintar um mural enorme, sua obra mais ousada. Victor, que deveria estar em uma reunião, apareceu de repente, de mangas arregaçadas.
“O que você está fazendo aqui, Ferraz?”, ela gritou, surpresa.
“Vim ser seu auxiliar de tinta”, ele respondeu, sério, segurando uma lata de spray como quem segura uma ferramenta cirúrgica.
Ela riu, aquele riso largo que era a sua assinatura sonora. E sob o céu cor de laranja de São Paulo, o zagueiro impecável e a artista anárquica pintaram juntos. Suas mãos, uma calejada pelas bolas e chutes, a outra manchada de tinta permanente, se encontraram no meio da tinta fresca, entrelaçando os dedos.
Não era um amor que se explicava. Era um amor que se sentia, como o cheiro de chuva no asfalto quente, ou a vista do rio Pinheiros à noite. Victor Ferraz e Mamador de Sampa. A linha reta e o traço irregular. Diferentes como a Paulista e a Liberdade, mas partes fundamentais da mesma cidade, do mesmo coração.