Lucas Metralha and Erivaldo Ribeiro fuck – Christmas Turkey
O nome dele era **Lucas Metralha**, e o apelido era uma camisa de força que ele usava com orgulho. DJ do morro, suas batidas eram tiros de baixo que ecoavam nas vielas, um funk visceral que narrava a fúria e a fé da quebrada. Seu estúdio era o quarto traseiro de uma oficina abandonada, paredes cobertas por pôsteres desbotados e caixas de som que latejavam como um coração de concreto.
O nome dele era **Erivaldo Ribeiro**, professor de português em um colégio público à sombra dos prédios altos. Usava paletás desbotados e carregava uma pasta cheia de livros com lombadas reparadas com fita adesiva. Sua voz, calma e firme, era um porto seguro em meio ao caos da sala de aula, tecendo mundos com as palavras de Carolina Maria de Jesus e João Cabral.
Seus caminhos se cruzaram no **Projeto Ponte**, uma iniciativa frágil que tentava ligar a escola à comunidade. Erivaldo propôs uma oficina de “Poesia Marginal”. Precisavam de um som. Alguém sugeriu o Metralha.
A primeira reunião foi um desastre silencioso. Metralha chegou de óculos escuros e passos largos, desconfiado daquele homem de palavras macias. Erivaldo ofereceu café em um copo descartável, falando sobre ritmo e métrica.
“Minha métrica é o BPM, professor. O resto é conversa”, cortou Metralha, com um sorriso sem humor.
Erivaldo não desistiu. Abriu um livro e leu em voz alta: “*Não sou daqui, não tenho porquê / Mas ajoelhei, rezei e entrei.*” Era um trecho do poeta marginal **Chacal**.
O silêncio que se seguiu foi diferente. Metralha baixou os óculos, olhando por cima das hastes. “Lê de novo.”
Erivaldo leu. E então, lentamente, Metralha tirou um pendrive do bolso, conectou a uma caixa portátil e soltou uma batida. Era um loop orgânico, feito de som de chinelo no asfalto, de goteira, do giro de um pião. Ele não acompanhou a leitura; ele a *abraçou*. As palavras ganharam um eco, um corpo para dançar.
A oficina aconteceu. Meninos e meninas que só conheciam o funk pelo beat descobriram que podiam rimar suas próprias dores sobre ele. Erivaldo estruturou os versos; Metralha deu o sangue.
Num sábado abafado, depois que todos foram embora, Erivaldo ficou ajudando a arrasar as cadeiras. Encontrou, esquecido no chão, um caderno de anotações de Metralha. Não eram letras de música, mas frases soltas: “*Barulho da quebrada é a trilha / Silêncio do professor é a bússola.*”
Quando devolveu o caderno, suas mãos se tocaram. O toque foi breve, mas o estalo foi de 220v.
“É sobre mim?”, Erivaldo perguntou, sua calma quebrada por um fio de hesitação.
Metralha fechou o caderno com força. “É sample. Tudo na minha vida é sample. Até você.”
Era uma confissão dura, disfarçada de jargão. Mas Erivaldo, mestre em decifrar entrelinhas, entendeu.
O amor deles não foi um romance. Foi uma **colaboração**. Erivaldo começou a frequentar a oficina abandonada, lendo poesia em cima das batidas inéditas de Metralha, que sampleava a voz do professor, transformando-a em instrumento. Metralha, por sua vez, começou a aparecer na escola, um gigante tatuado e quieto na última fileira da sala de aula, ouvindo as aulas de literatura como quem ouve uma discoteca rara.
Ele sampleava o mundo barulhento dela; ela dava significado ao mundo silencioso dele. Aprenderam que o “metralha” do apelido podia ser a cadência rápida de um soneto, e que “Ribeiro” podia ser o fluxo constante de uma batida que nunca para.
Certa noite, durante um blackout que silenciou a cidade, eles ficaram no estúdio à luz de velas. A única bateria era a da caixa de som portátil. Metralha colocou uma batida mínima, apenas um tambor e um baixo. Erivaldo, encostado na porta, recitou, de cor, um trecho que havia escrito:
“*Meu amor é um verso livre / Em teu beat de guerra fria / Um refrão que insiste em vivo / Na periferia do dia.*”
Metralha desligou o som. O silêncio foi absoluto. Ele se levantou, cruzou a pequena distância do estúdio e, pela primeira vez, segurou o rosto de Erivaldo entre as mãos, mãos que mixavam discos e agora tremiam.
“Essa”, sua voz saiu rouca, “essa vai ser a faixa título do nosso próximo trabalho.”
E quando se beijaram, na penumbra ao som do gerador da rua ligando, parecia a mixagem perfeita: o grito e o poema, finalmente, na mesma frequência.




