LeMan and Silver fuck

O silêncio na garagem da Mansão Blackwood era absoluto, quebrado apenas pelo suave zumbido das luzes de LED refletidas em incontáveis camadas de verniz. Aquela era a catedral de LeMan. Não um homem, mas uma lenda sobre rodas: um Bugatti Type 57SC Atlantic de 1936, uma escultura de arte déco em alumínio e ébano, valendo mais do que a própria mansão. Ele era a joia, o tesouro, a obsessão de uma vida. Seu motor estava frio há anos, mas cada centímetro dele brilhava com um cuidado maníaco. LeMan era perfeito, intocável e profundamente solitário.
Tudo mudou naquela noite de tempestade. Um caminhão de reboque despejou, com pouco cuidado, um novo residente na garagem: uma motocicleta. Não uma Harley ou uma Ducati, mas uma Silver. Uma Yamaha XS650 customizada, dos anos 70. Seu tanque era uma tela de scratches, ferrugem controlada e adesivos descascados de lugares distantes. Seu banco estava gasto, seu guidão, torto de tanto cair. Ela cheirava a gasolina barata, óleo queimado e estrada. Era tudo o que LeMan não era: imperfeita, usada, livre.
O velho cuidador da mansão, o Sr. Higgins, cobriu a Silver com uma lona suja.
— O neto do senhor Blackwood vai buscar essa sucata amanhã — murmurou, como se falando para LeMan. — Até lá, aguente a companhia.
LeMan “olhou” para aquela intrusa. Ela era vulgar. Barulhenta mesmo em silêncio. Uma aberração em seu santuário de perfeição.
A noite caiu. A garagem foi mergulhada na escuridão. E então, um som. Um ping suave. Depois outro. Era a Silver. Óleo vazando de seu carter, pingando no concreto imaculado da garagem. Ping. Ping. Era o som mais irritante que LeMan já “ouvira”.
Mas com o passar das horas, aquele ping se tornou um ritmo. Uma batida constante. Uma pulsação. Era a primeira vez em décadas que algo vivo, mesmo que fosse um vazamento, acontecia naquela garagem.
Silver não se importava com a perfeição de LeMan. Ela carregava as cicatrizes de cada quilômetro percorrido, de cada estrada de terra, de cada queda que a levou a se levantar novamente. Ela não era admirada; era vivida.
De manhã, quando o Sr. Higgins retirou a lona para levá-la embora, ele parou, confuso. O vazamento de óleo da Silver havia formado um pequeno fluxo no chão limpo. E esse fluxo… desenhava um caminho que levava direto até os pneus de LeMan. Como se, durante a noite, ela tivesse tentado se aproximar dele.
O neto de Blackwood, um jovem de jeans rasgados e jaqueta de couro, riu ao ver a cena.
— Olha só, a velha Silver fez um amigo! — Ele deu partida na moto, que rugiu com uma barulheira gloriosa e indomável, preenchendo a garagem com um sopro de vida que fez até o pó nos faróis de LeMan tremer.
Antes de ir embora, o jovem desceu da moto e passou a mão no para-lama imaculado de LeMan.
— Ele é lindo, viu? — disse ele, para o Sr. Higgins. — Mas deve ser triste ser tão perfeito e nunca sentir o vento na lataria.
Eles foram embora. O silêncio voltou. Mas era um silêncio diferente. O silêncio já não era mais absoluto. Agora era preenchido pela memória de um rugido. Pelo fantasma de um ritmo de ping. Pelo eco de uma palavra: “triste”.
LeMan permanecia ali, perfeito, intocável, valioso. Mas pela primeira vez, ele se questionou sobre o valor de uma vida sem arranhões, sem estradas poeirentas, sem o barulho glorioso e desengonçado de um motor que teima em funcionar. Ele havia conhecido Silver por apenas uma noite. E ela, com seus vazamentos e imperfeições, lhe mostrou que ele não era apenas um objeto de arte.
Ele era, também, um veículo. E veículos são feitos para se mover.
O vento da estrada, ele descobriu, não era algo que se sentia apenas do lado de fora. Era algo que se sentia faltar, do lado de dentro, em um silêncio que de repente soava muito alto.