Igor Mukovsky gets jerked off

Era assim: dois corações solitários em um ônibus noturno, balançando pelas ruas molhadas de São Petersburgo. Igor via as mesmas paisagens há vinte anos, da janela do seu apartamento minúsculo. A cidade era um museu de memórias que ele não tinha coragem de revisitar. Até aquele outubro, quando a chuva insistente fez com que uma mulher se sentasse ao seu lado, sacudindo o casaco molhado.
“Desculpe”, ela disse, com um sotaque que era uma mistura de lugares distantes.
Ele apenas assentiu, voltando os olhos para a névoa do lado de fora.
No dia seguinte, no mesmo horário, ela estava lá de novo. E no outro. Semanas se passaram num silêncio que se tornou menos desconfortável, até que um dia, ela segurava um livro com a capa desgastada.
“Dostoiévski”, Igor comentou, baixo. “É pesado para uma viagem noturna.”
Ela sorriu, pela primeira vez. “É para não me sentir tão sozinha.”
Ele se apresentou. “Igor.”
“Mukovsky”, ela completou, suave. “Ana Mukovsky.”
O sobrenome igual bateu como um sino no peito dele. Uma coincidência curiosa, rara, mas não impossível. Começaram a conversar. Ana era arquiteta, voltando de um projeto longe. Igor, um restaurador de livros antigos, cujo mundo cabia numa bancada iluminada por uma lâmpada de baixo consumo. Ele amava a precisão do passado; ela, a possibilidade do futuro. Aos poucos, aquele ônibus tornou-se o lugar favorito de ambos, uma cápsula no tempo onde o mundo lá fora, com seus milhões de pessoas, desaparecia.
A paixão cresceu discreta, como o musgo nas pedras da Fortaleza de Pedro e Paulo. Descobriram afinidades tolas: ambos odiavam chá com açúcar, amavam o cheiro de livros velhos e tinham um medo irracional de balões de hélio. O sobrenome em comum virou uma piada íntima. “Talvez sejamos primos distantes”, ela brincava. “Então nosso amor é proibido”, ele retorquia, com uma seriedade que os fazia rir.
Até que Igor, encorajado por meses de felicidade frágil, decidiu apresentá-la ao seu mundo. Convidou-a para jantar em seu apartamento, meticulosamente arrumado. Enquanto ela folheava uma estante, uma foto deslizou de dentro de um livro. Ana pegou. Era uma imagem antiga, em preto e branco, de um casal.
“Quem são?” Ela perguntou.
“Meus avós”, disse Igor, trazendo chá. “Eles fugiram da guerra, perderam tudo. Reconstruíram a vida aqui. O único retrato que sobrou.”
Ana examinou a foto mais de perto, seus dedos tremendo levemente. O rosto da mulher na foto… tinha o mesmo olhar marcante de sua própria avó. A mesma história de fuga, o mesmo sobrenome raro que ela sempre julgou ser apenas herança de um avô qualquer.
“Igor”, a voz dela saiu um fio. “Qual o nome da sua avó?”
“Sofia. Sofia Mukovsky.”




