French Sandwich – Melad Massilia, Felipe Ferro, Jose Quevedo

O **Café das Três Esquinas** era um ponto de convergência. Não por acaso, mas porque **Melad Massilia** fazia questão que fosse. Sírio de origem e paulistano por escolha, ele era o dono e coração do lugar. Sabia que o segredo de um bom café não estava só no grão, mas na alquimia das pessoas que ele atraía. Suas mesas de madeira sólida testemunhavam negócios, desilusões, amizades e o lento fluir das tardes.
Em um canto, quase sempre às 16h, sentava-se **Felipe Ferro**. Arquiteto, trazia o cheiro de obra e de projeto novo. Vinha para desenhar, não no tablet reluzente, mas em cadernos Moleskine com capas pretas, com canetas nanquim de ponta fina. Seus traços eram limpos, precisos, buscando a linha perfeita que estruturaria um novo edifício, uma nova vida. Desenhava o futuro, linha a linha, mas seus olhos, às vezes, vagueavam pela janela com uma dúvida que as retas não conseguiam resolver.
No balcão, de costas para a sala, costumava estar **Jose Quevedo**. Taxista diurno e poeta noturno, era um homem de trânsitos. Passava o dia conectando pontos na cidade no seu táxi amarelo desgastado, e a noite tentando conectar palavras no papel, entre um gole de café forte e um pastel de forno. Seus versos falavam de asfalto molhado, de passageiros fugidios e da solidão dos faróis à 1h da manhã. Era um observador profissional, mas raramente se permitia ser visto.
Melad observava os dois homens solitários. Felipe, com sua ordem silenciosa. Jose, com seu caos contemplativo. Dois planetas em órbitas distintas, girando na mesma cafeteria. Ele, que acreditava no poder congregador do café e da boa música, começou uma interferência sutil.
Quando Felipe pedia seu expresso duplo, Melad servia com um biscoito de gengibre, “porque o doce ajuda a mente a criar linhas curvas”. Para Jose, sempre que ele chegava com o ar cansado do volante, preparava um café coado no filtro de pano, “porque coisa apressada não combina com poesia”. E, aos poucos, começou a criar pontes.
— “Felipe, esse senhor no balcão é taxista. Ele conhece cada beco da cidade. Se você precisa entender o *lugar* antes de projetar, converse com ele,” dizia Melad, em um tom casual.
— “Quevedo, o arquiteto ali desenha o esqueleto da cidade. Ele pode te dizer por que certos lugares ‘sentem’ de um jeito e outros de outro. Poeta precisa saber disso.”
A primeira palavra foi um aceno de cabeça. Depois, um “bom dia” trocado. Uma tarde chuvosa foi a catalisadora. Felipe, sem guarda-chuva, viu Jose se preparando para sair.
— “Precisa de carona? Eu vou para a zona leste,” ofereceu Jose, de forma prática.
Naquele táxi, o mundo de fora era um borrão. Dentro, começou uma conversa. Felipe falou de concreto, de vãos, da responsabilidade de criar abrigo. Jose falou das histórias que o asfalto contava, dos amores que começavam e terminavam no banco de trás, da cidade como um ser vivo que respirava através de seus habitantes.
Felipe mostrou seu caderno, não só os projetos, mas os esboços de coisas bonitas que via: um poste torto, a sombra de um viaduto. Jose recitou, baixinho, um verso sobre a geometria dos prédios contra o céu nublado. Eles descobriram que, enquanto um construía espaços, o outro os preenchia com histórias.
Melad, da sua posição atrás do balcão, sorria ao vê-los, agora frequentemente na mesma mesa. Felipe desenhava e Jose escrevia, em silêncios companheiros que não eram mais solitários.
O clímax foi simples, como as coisas verdadeiras costumam ser. Jose escreveu um poema não sobre a cidade, mas sobre um homem que desenhava mundos com mãos firmes e olhos que, finalmente, pareciam encontrar um horizonte. Deixou o papel dobrado na mesa de Felipe quando foi para seu turno.
Felipe leu. E, pela primeira vez, seu desenho não foi de linhas e formas, mas de sentimentos. Riscou, em um papel vegetal, a planta baixa de um apartamento. Não era grande, mas era cheio de luz. Em uma das salas, escreveu: “Aqui, um poeta escreve”. Na varanda: “Aqui, um arquiteto e um poeta olham a cidade que amam”.
Ele foi ao café na hora em que Jose voltava do trabalho. Não disse nada. Apenas colocou o desenho sobre o poema, em cima do balcão de Melad.
Jose entendeu. Melad, servindo dois cafés especiais, “por conta da casa, para celebrar novos projetos”, também entendeu.
Dali em diante, o **Café das Três Esquinas** ganhou dois frequententes assíduos que, milagrosamente, eram um só. Felipe ainda projetava edifícios, mas agora com varandas mais generosas, pensando na luz da manhã para a leitura. Jose ainda escrevia poemas, mas agora alguns tinham o sabor do café compartilhado e a segurança de um porto.
E Melad Massilia, o artífice silencioso daquela convergência, continuava a cuidar de seu café, satisfeito. Sabia que havia feito mais do que servir bebidas; havia ajudado a construir, linha por linha, palavra por palavra, um amor que era tão sólido quanto o concreto e tão livre quanto a poesia. A cidade, afinal, era feita de lugares que abrigavam histórias. E ele tinha a alegria de ter testemunhado o início de uma das mais bonitas.




