Era consertador de relógios, um homem de rotinas precisas. Paul Docux vivia entre engrenagens e mostradores, onde cada tick era um pequeno triunfo da ordem sobre o caos. Suas mãos, firmes e calosas, traziam de volta à vida o tempo parado dos outros. O seu próprio, porém, parecia ter parado num inverno distante.
Até que um dia, o sino da sua porta tilintou de forma diferente.
Ela entrou como uma brisa de primavera, carregando um cronógrafo antigo envolto em veludo. Chamava-se Latin Ft. Tinha olhos da cor do âmbar e um nome que soava como uma canção de um lugar que Paul nunca visitara.
“Dizem que você é o melhor”, disse ela, e a sua voz era suave, mas com uma ressonância que fez vibrar algo fundo dentro dele, como um badalo de sino de cristal.
Paul aceitou o relógio, os seus dedos encontrando os dela por um segundo. Um curto-circuito de calor no seu mundo controlado.
O trabalho foi meticuloso. O cronógrafo era complexo, um quebra-cabeças de miniaturas. Enquanto Paul mergulhava nos seus segredos, Latin voltava todos os dias, não para pressionar, mas para observar. Ela sentava-se no banco de madeira, às vezes lendo, outras vezes apenas a olhar para as suas mãos a trabalhar com uma concentração feroz.
Falavam pouco. Ela contou-lhe que era musicista, que o relógio tinha pertencido ao avô, um maestro. Que para ele, a música e o tempo eram a mesma coisa – a arte de marcar momentos com alma.
Paul, que sempre vira o tempo como uma sucessão mecânica de segundos, começou a ouvi-lo de outra forma. O tic-tac dos relógios na loja tornou-se uma sinfonia silenciosa. As suas mãos, antes apenas ferramentas de precisão, ansiavam pelo som dos seus passos no paralelepípedo lá fora.
Um dia, ele descobriu a peça que faltava: uma pequena mola mestra, partida. Era quase impossível de encontrar. Paul passou noites em claro, vasculhando catálogos antigos, ligando para colecionadores. Não era só pelo relógio. Era pelo modo como ela sorria, um sorriso que fazia o seu próprio coração acelerar, desregulando o metrónomo perfeito da sua existência.




