Deep Deep – Rico Marlon and Kadu

O calor do entardecer baiano tingia o céu de laranja e roxo sobre as barracas de acarajé na Ribeira. O som do berimbau e do pagode se misturavam ao cheiro de azeite de dendê e mar. Em meio ao burburinho, dois mundos se encontravam.

**Rico Marlon** era um chef renomado, carioca de Ipanema com currículo internacional. Estava em Salvador pesquisando para seu novo livro, “Sabores da Diáspora”. Vestia roupas de linho claro, tinha as mãos cuidadosamente cuidadas e um olhar analítico que decompunha tudo em ingredientes e técnicas.

**Kadu** era pura raiz. Dono da barraca “Tempero da Dona Mãe”, herdada de sua avó, ele mexia o bolinho de feijão fradinho com uma dança no quadril e um sorriso que conquistava mais fregueses que o próprio acarajé. Seu conhecimento não vinha de livros, mas da memória das mãos, do paladar afiado na beira do tacho.

O primeiro encontro foi uma colisão. Rico, incrédulo, viu Kadu adicionar uma pitada generosa de pimenta da costa—um ingrediente raro—ao seu vatapá.

“Espera! O que você está fazendo? Isso vai dominar todos os outros sabores!”, protestou Rico, aproximando-se.

Kadu nem pestanejou. “O sabor, chef, tem que ter coragem. Como o povo daqui.” Ele ofereceu uma colher. “Experimenta.”

Rico, relutante, provou. Seus olhos se arregalaram. Era complexo, ousado, perfeito. Uma humilhação deliciosa.

A partir daquele dia, Rico voltou.