Cody Seiya bottoms for Gabriel Cross
O vento noturno soprava frio pelas ruas de São Paulo, mas dentro do pequeno estúdio de Cody Seiya, o calor era tangível. O cheiro de tinta a óleo e aguarrás se misturava ao som suave de uma playlist de jazz. Cody, com as mãos manchadas de carvão e um rabo de cavalo desleixado, recuou para observar a tela. Era um retrato, ainda em estágios iniciais, de um homem com olhos que pareciam guardar tempestades.
Gabriel Cross.
Era o nome do modelo que frequentava seu estúdio nas últimas três semanas. Cody, um artista conceitual que preferia a solidão à badalação, havia aceitado a encomenda por necessidade. Um retrato para a família abastada dos Cross. Mas o projeto tinha se transformado em algo muito mais profundo.
Gabriel não era como os outros herdeiros que Cody conhecera. Ele tinha uma quietude que não era vazia, mas repleta. Sentava-se imóvel por horas, mas seus olhos – de um cinza quase prateado – observavam tudo: as pinceladas de Cody, a maneira como ele mordia o lábio quando concentrado, a desordem organizada do estúdio.
Naquela noite, o silêncio entre eles era diferente. Carregado.
— Está quase pronto? — a voz de Gabriel era baixa, um contrabaixo suave que cortou o som da música.
Cody balançou a cabeça, limpando as mãos em um pano. — O desenho, sim. A tinta… ainda não. Ainda não capturei o que preciso.
— E o que você precisa capturar?
Cody o encarou, desafiador. — Você. Não a pose, não o herdeiro. Você. O que se esconde por trás desses olhos.
Um sorriso quase imperceptível tocou os lábios de Gabriel. — Cuidado, artista. Alguns segredos não foram feitos para telas.
O desafio ficou pairando no ar. Na sessão seguinte, Gabriel chegou com um violão. Sem pedir permissão, sentou-se no banco de modelo e começou a tocar. Não era uma música clássica ou uma balada pop, mas uma melodia triste e bela que ele mesmo compusera. A música preencheu cada centímetro do estúdio, envolvendo Cody em uma emoção que ele nunca havia sentido.
E então, Cody entendeu. A quietude de Gabriel não era vazia; era música não tocada. A observação constante não era julgamento; era admiração.
Naquela noite, Cody não trabalhou no retrato. Sentou-se no chão, encostado na perna do banco onde Gabriel estava, e apenas ouviu. Quando a última nota morreu, o silêncio que se seguiu não era mais carregado de tensão, mas de compreensão.
— Eu não pinto retratos por dinheiro — Cody confessou, quebrando sua própria regra. — Pinto porque é a única maneira que conheço de realmente ver alguém.
Gabriel baixou o violão. — E eu não poso por vaidade. Poso porque é a única desculpa que encontrei para ficar aqui, sendo visto por você.
O espaço entre eles diminuiu. Não foi um movimento abrupto, mas uma inevitabilidade suave. Quando seus lábios se encontraram, tinha o gosto de tinta, música e verdade. Era um beito lento, profundo, que selava um pacto não dito.
O retrato foi finalizado semanas depois. Nele, Gabriel não estava apenas sentado. Ele estava olhando para o pintor, com um sorriso terno nos lábios e uma melodia invisível pairando ao seu redor. A família Cross reclamou que estava “muito informal”, mas Gabriel comprou a tela por dez vezes o preço combinado.




