Char Avila and Paul Docux fuck
O mundo de Char Avila era feito de linhas retas, planilhas e a fria lógica do silício. Como arquiteta de sistemas de segurança, sua mente era um labirinto impenetrável de códigos e protocolos. Seu apartamento refletia essa precisão: cada objeto tinha seu lugar, cada luz era calibrada, e o silêncio era um hino à ordem. Ela construía fortalezas digitais para proteger os outros, enquanto sua própria vida era a mais vigiada de todas.
Paul Docux era um caos criativo. Restaurador de livros antigos, suas mãos traziam histórias de volta à vida. Sua oficina cheirava a cola de ossos, papel envelhecido e tinta fresca. Pilhas de volumes frágeis ocupavam cada superfície, uma aparente desordem que só ele compreendia. Paul acreditava que a beleza não estava na perfeição, mas nas marcas do tempo, nas rugas de uma página, na história que um livro carregava em suas costuras.
Eles se conheceram por acaso. A biblioteca histórica onde Paul trabalhava foi contratada para digitalizar e proteger seu acervo, e Char foi a engenheira designada para implementar o novo sistema de segurança. Ela chegou de tailleur cinza, tablet em punho, falando em firewalls e criptografia. Ele a recebeu com os dedos manchados de tinta vermelha e um avental desgastado.
“O sistema não pode ter falhas,” disse Char, percorrendo as estantes com um olhar crítico.
“Todo livro tem uma falha, um rasgo, uma página solta. É isso que os torna únicos,” respondeu Paul, gentilmente, passando os dedos sobre a lombada de um livro do século XIX.
Char ignorou o comentário. A poesia era uma variável imprevisível em sua equação.
Nos dias seguintes, Paul tornou-se uma variável persistente. Ele aparecia com um café quando ela trabalhava até tarde, contava a história por trás de um livro raro que estava restaurando, e fazia perguntas que iam além do código-fonte. Perguntas sobre ela. Char respondia com monosílabos, mas começou a notar coisas. A paciência com que ele alisava uma página amassada. A reverência ao tratar uma encadernação frágil. A maneira como seus olhos brilhavam ao decifrar uma anotação à margem feita cem anos atrás.
Um dia, o sistema de Char falhou. Um falso alarme fez com que os extinguidores de emergência entrassem em ação na sala de restauro. Quando a espuma baixou, Paul não estava preocupado com a bagunça ou com o atraso no trabalho. Ele estava ajoelhado ao lado de um pequeno livro de poesias, encharcado, tentando enxugar suas páginas com a manga do avental. Seus olhos estavam úmidos.
“Era a edição de bolso que ela carregava para todo lado,” sussurrou ele, sem olhar para Char. “Minha avó.”
Char, acostumada a falhas de sistema que se resolviam com linhas de código, ficou paralisada diante daquela falha humana, daquela dor tangível. Algo em seu código interno quebrou. Sem dizer uma palavra, ajoelhou-se ao seu lado. Não com um pano ou uma solução técnica, mas apenas ficou ali, no silêncio daquela perda, sua mão hesitante pousando sobre seu ombro trêmulo.
Foi o único firewall que ela não conseguiu construir: aquele que a protegia de se conectar.
Aos poucos, as linhas retas de Char começaram a aceitar curvas. Ela passou a visitar a oficina de Paul depois do trabalho, primeiro para verificar o sistema, depois para ouvir suas histórias. Ele lhe mostrou como a cola era feita, como se costuravam as páginas, como se preservava uma história. Ela, em troca, lhe mostrou a beleza abstrata de um código bem escrito, comparando-o a uma poesia em uma linguagem que só as máquinas entendiam.
Na noite em que o projeto foi finalizado, Char convidou Paul para jantar em seu apartamento imaculado. Ele chegou com um pequeno pacote embrulhado em papel pardo.
Era um livro. Não era antigo, mas era único. A capa era feita de um tecido cinza, a cor de seu tailleur favorito. Dentro, as páginas não tinham palavras. Eram linhas de código que ele havia persuadido um amigo a ajudá-lo a imprimir – trechos do próprio sistema de segurança que ela projetara para a biblioteca. E na primeira página, uma mensagem escrita à mão, com a caligrafia elegante de Paul:
*”Para a Char, que constrói fortalezas. Que esta seja a primeira história que você permite ser escrita em seu código-fonte.”*
Char olhou para o livro, depois para Paul. E, pela primeira vez, o sistema de segurança mais complexo que ela já projetara – aquele em volta de seu próprio coração – desligou-se por completo, não por uma falha, mas por uma escolha. E naquele silêncio, o caos ordenado de Paul Docux e o mundo controlado de Char Avila finalmente se fundiram, criando uma nova história, com uma costura forte o suficiente para durar uma vida.




