Brandon Salieri and Armand Lemoine fuck
O vento que soprava do Mediterrâneo carregava o sal, o alecrim e o som do piano. Era um som que dominava a pequena vila pesqueira de Cassis, fluindo pelas janelas abertas da Villa des Étoiles. Um som profundo, tempestuoso e apaixonado, que só podia pertencer a **Brandon Salieri**. Ele era um compositor em fuga, da crítica, de Nova Iorque, de si mesmo. Sua música era sua única linguagem, um idioma de angústia e beleza não filtrada.
**Armand Lemoine** era o silêncio que ouvia a tempestade. Dono de uma pequena livraria à beira-mar, *”L’Encre et la Mer”* (A Tinta e o Mar), ele era um homem cuja quietude era tão profunda quanto as histórias em suas prateleiras. Seus dias eram um ritual calmo: abrir as portas, organizar os livros, observar o vai e vem das ondas e dos poucos turistas. Até que a música de Salieri começou a invadir sua rotativa paz.
Era impossível ignorar. Os acordes dissonantes de Brandon ecoavam pela colina, interrompendo a leitura de Armand, perturbando seu sono. Inicialmente, ele sentiu uma irritação profunda. Aquele nova-iorquino barulhento estava estragando a serenidade de seu refúgio.
Mas a raiva deu lugar à curiosidade. Dentro daquela cacofonia, Armand, um ex-estudante de literatura que entendia de narrativas, começou a ouvir uma. Ouviu solidão. Ouviu fúria. Ouviu uma dor tão raw que era quase física.
Um dia, levado por um impulso que não conseguiu explicar, Armand pegou um livro de sua prateleira mais especial – uma rara edição de poesias de René Char – e subiu a colina. A porta da villa estava aberta. Brandon estava de costas, martelando o piano com os olhos fechados, imerso em seu turbilhão.
Armand não disse uma palavra. Colocou o livro sobre uma mesa de centro, ao lado de uma pilha de partituras rabiscadas e copos vazios de absinto. E saiu.
Brandon só percebeu a visita horas depois. O livro, com sua capa de couro desgastada, parecia um objeto de outro mundo em seu caos. Ele o abriu. Os versos de Char falavam da terra, do fogo, do silêncio das estrelas. Eram o oposto de sua música, e talvez exatamente o que ela precisava.
No dia seguinte, Brandon desceu até a vila. Entrou na livraria. O silêncio do lugar era tão espesso quanto a névoa da manhã. Armand estava atrás do balcão, encadernando um livro velho, suas mãos movendo-se com uma precisão calma.
“Obrigado pelo livro,” disse Brandon, sua voz soando áspera por falta de uso.
Armand apenas assentiu, seus olhos cinza estudando o homem à sua frente. Ele parecia mais jovem do que sua música sugeria, e mais frágil.
“Está tentando me consertar?” perguntou Brandon, um fio de desafio na voz.
“Não,” respondeu Armand, sua voz suave como o virar de uma página. “Estou tentando te ler. Sua música… é difícil de entender. Como um poema em uma língua estrangeira.”
Essa foi a ponte. Brandon começou a visitar a livraria todos os dias. Ele falava de sua música bloqueada, da pressão, do fantasma de um avô compositor que ele nunca poderia superar. Armand ouvia, e em troca, oferecia livros como se fossem remédios: um pouco de Camus para a alienação, um pouco de Virginia Woolf para a corrente de consciência, um pouco de Pessoa para o desassossego.
Brandon, em troca, começou a compor para Armand. Não as grandes sinfonias atormentadas, mas pequenas peças, miniaturas. Uma melodia que imitava o balanço das ondas que Armand tanto amava. Outra que soava como o farfalhar suave de páginas sendo viradas.
O amor não chegou com um clímax dramático, mas com a quietude de um hábito. Chegou no café da manhã compartilhado na varanda da livraria, com a vista para o mar. Chegou quando Brandon percebeu que a música de Armand não era o silêncio, mas o espaço entre as notas, onde a melodia realmente respirava. Chegou quando Armand entendeu que a tempestade em Brandon não era algo para ser acalmado, mas para ser testemunhado e amado.
Uma noite, Brandon tocou para ele. A peça era intitulada “Pour le Libraire Silencieux” (Para o Livreiro Silencioso). Era uma fusão de seus dois mundos: começava com a fúria do oceano e do piano, mas gradualmente dava lugar a uma serenidade profunda, uma melédia simples e repetitiva que era tanto uma pergunta quanto uma resposta.
Quando a última nota se dissolveu no ar salgado, Armand se levantou, cruzou a sala e, pela primeira vez, tocou o rosto de Brandon. Sua mão, acostumada à textura suave do papel, sentiu a aspereza da barba por fazer, a tensão na mandíbula.
Brandon inclinou a cabeça naquele toque, seus olhos fechando-se. O compositor que vivia de sons e o livreiro que vivia de silêncios haviam encontrado, um no outro, a única partitura e o único livro que realmente importavam. E no crepúsculo azul de Cassis, sob o olhar das primeiras estrelas, o silêncio deles, finalmente, era idêntico.




