BR SALLES pauzudo leitando muito nesse fim de semana
Todas as manhãs, às 7:15, Salles entrava no “Grão Precioso”. Era um ritual: cappuccino sem açúcar, mesa no canto perto da tomada e três horas imerso em linhas de código. Seu mundo era ordenado, previsível e silencioso.
Todas as manhãs, às 7:20, Salles chegava ao “Grão Precioso”. Era um furacão: mochila de pintura aberta, pedindo um café “qualquer um, o mais forte”, e se espalhando por qualquer mesa livre. Seu mundo era feito de cores, telas em branco e uma inquietação tangível.
Ele, Salles com “S” no final, engenheiro de software. Ela, Salles sem “S” no final, artista plástica. Por semanas, dividiram o café sem trocar um olhar. Ele a via como uma interrupção barulhenta. Ela o via como uma estátua de concentração irritante.
O ponto de virada foi um dia chuvoso. Ele, focado, não viu o garçom. Ela, com reflexo rápido, puxou seu laptop para longe de uma poça de água que caía da capa molhada do garçom. O movimento brusco derrubou o pote de pincéis dela, salpicando tintas coloridas na camisa branca impecável dele.
“Olha o que você fez!”, ele exclamou, exasperado.
“Salvei seu código da extinção!”, ela retrucou, sem arrependimento.
Enquanto ele tentava, em vão, limpar as manchas azuis e amarelas, ela riu. “Ficou melhor. Parece um céu nublado com um raio de sol.”
Ele a olhou, pronto para ser grosso, e pela primeira vez viu os olhos verdes dela, cheios de diversão e um traço de desafio. Não conseguiu ser rude. Soltou um suspiro e um sorriso pequeno, quase imperceptível.
“Salles”, disse ele, estendendo a mão.
“Salle”, respondeu ela, apertando-a, sua mão manchada de tinta deixando uma marca colorida na dele.
“É… somos quase homônimos.”
“Diferentes o suficiente”, ela disse, com um brilho nos olhos.
No dia seguinte, às 7:15, ele estava lá. Às 7:20, ela também. Na mesa dele, havia dois cappuccinos. Na mão dela, um pequeno pincel fino.
“Para as manchas”, ela disse, colocando o pincel ao lado do café dele. “Quem sabe você não descobre que gosta de colorir fora das linhas?”
Ele pegou o pincel, girando-o nos dedos, sentindo seu peso leve.
“E se eu disser”, ele começou, tímido, “que gostaria de colorir uma tela? Mas preciso de uma professora.”
O sorriso dela iluminou o café inteiro mais que o sol da manhã.
“A aula começa agora”, ela disse, puxando um caderno de esboços. “A primeira regra é: não tenha medo de fazer bagunça.”
E ali, entre xícaras vazias e comandos de código esquecidos na tela, um novo projeto começou. Não era mais apenas Salles e Salle, mas um “nós” que, embora soasse quase igual, era infinitamente mais interessante.




