BR Daniel Póvoas sendo macetado pelo gostoso Guilherme Mendes

O outono em Lisboa pintava as calçadas de um dourado pálido, um cenário perfeito para a melancolia metódica de Daniel Póvoas. Ele era um arquivista, um homem cujo mundo era feito de papéis antigos, silêncios consentidos e a poeira fina que pousa sobre as memórias. Sua vida era uma linha reta e previsível, da sua casa em Alfama ao Arquivo Nacional, onde organizava séculos de histórias alheias.
Tudo mudou com a chegada de Guilherme Mendes.
Guilherme era um restaurador, contratado para salvar uma coleção de mapas náuticos do século XVI que se desfaziam em ácaro e umidade. Ele chegou ao arquivo como um furacão de energia, com as mangas enroladas, as mãos manchadas de produtos químicos e um rádio portátil sussurrando fado. Onde Daniel via deterioração irremediável, Guilherme via uma segunda chance.
“Olha só, Daniel!”, exclamou Guilherme no primeiro dia, segurando um pergaminho frágil. “Este risco aqui, este desvio… não é um erro. É o cartógrafo corrigindo a rota depois de um mau tempo. É uma história de sobrevivência.”
Daniel, acostumado a tratar os documentos como relíquias intocáveis, ficou intrigado com aquele homem que os tratava como pacientes. Inicialmente, a presença de Guilherme foi uma interrupção barulhenta. Ele assobiava, cantarolava os fados e fazia perguntas pessoais no silêncio sagrado da sala de documentos.
“Você nunca se cansa do cheiro de naftalina, Póvoas?”
“É o cheiro do tempo parado, Mendes. É confiável.”
Mas a linha reta da vida de Daniel começou a curvar. Ele se pegava esperando pelo café da tarde, quando Guilherme compartilhava histórias sobre os mapas — não apenas as rotas, mas os navegadores, as tempestades, os motins. Guilherme não restaurava papel; ele ressuscitava aventuras.
O amor não chegou com um clarão, mas como a paciência de Guilherme ao aplicar uma solução sobre uma mancha teimosa. Era o jeito como Daniel, sem que ninguém pedisse, começou a trazer dois pastéis de nata todas as manhãs. Era o silêncio que agora era companheiro, não vazio, quando trabalhavam lado a lado sob a luz suave das lâmpadas de mesa.
A revelação aconteceu num fim de tarde, quando o pôr do sol banhava a sala de um âmbar profundo. Guilherme estendeu a mão sobre um mapa restaurado, mostrando o trabalho delicado.
“Pronto. Ele pode durar mais duzentos anos.”
Daniel olhou para o mapa, depois para as mãos de Guilherme — mãos que consertavam coisas, que traziam vida de volta ao que estava perdido.
“É estranho”, disse Daniel, sua voz um pouco rouca do desuso. “Passei a vida preservando o passado, garantindo que nada mudasse. Mas você… você me fez perceber que a beleza não está só em guardar, mas em reparar.”
Guilherme sorriu, um sorriso largo e quente que fez o canto dos seus olhos enrugarem.
“Talvez seja hora de restaurar algo mais do que mapas, Daniel.”
Naquela sala cheia de histórias antigas, entre o cheiro de papel e solvente, duas vidas que pareciam destinadas a linhas paralelas encontraram um ponto de intersecção. Daniel Póvoas, o guardião do passado, e Guilherme Mendes, o artesão do futuro, descobriram que o amor era a mais bela forma de preservação — a que mantém o coração aberto para novas descobertas, mesmo em territórios há muito mapeados.