O mundo de **Blackmanguera** era pesado, sujo e barulhento. Ele era um caminhoneiro, um rei da estrada cujo trono era a cabine de seu *Peterbilt* antigo, personalizado com detalhes cromados. Suas mãos estavam calejadas pelo volante, sua visão eram quilômetros de asfalto, e sua companhia era a estática do rádio CB e suas próprias canções roucas. Seu *nickname* vinha de uma mangueira de combustível que ele consertou com fita preta em uma emergência, e o apelido grudou. Ele era um homem de poucas palavras e de estrada longa.
O mundo de **Gabriel Paxxeco** era leve, limpo e silencioso. Um ilustrador botânico, seus dias eram passados entre aquarelas, pincéis de pelo de marta e a luz perfeita de seu estúdio. Ele desenhava a delicada veia de uma folha, a textura aveludada de um pétala, capturando a vida em seus mínimos detalhes. Seu sobrenome, Paxxeco, soava como um pássaro raro, e combinava com ele. Sua vida era uma busca pela beleza sutil e serena.
O destino, em sua forma mais prosaica, foi um pneu furado. Uma chuva torrencial obrigou Blackmanguera a sair da rodovia e buscar abrigo em uma estação de serviço em uma cidadezinha pacata. Enquanto esperava o conserto, ele vagou até um pequeno mercado ao ar livre, encharcado e de mau humor.
Foi quando ele viu Gabriel.
Ele estava sob uma marquise, tentando proteger suas aquarelas da chuva que respingava. Blackmanguera parou para olhar. Havia algo naquela concentração absoluta, na delicadeza com que ele segurava o pincel, que fez o mundo barulhento do caminhoneiro parar por um instante.
— Vai estragar o desenho — a voz grave de Blackmanguera ecoou, fazendo Gabriel pular.
— O quê? Ah, a chuva… sim — Gabriel respondeu, corando levemente ao ver o homem grande e encharcado, com uma jaqueta de couro e um olhar que parecia ter visto o mundo inteiro.
Sem cerimônia, Blackmanguera pegou um grande guarda-chuva que estava abandonado em um canto e o segurou sobre Gabriel e seus desenhos.
— Termina — ele ordenou, suavemente.
Sob a sombra improvisada, com a chuva batendo no tecido e o calor do corpo grande de Blackmanguera ao seu lado, Gabriel terminou seu desenho. Era um trevo-de-quatro-folhas, minuciosamente detalhado.
— Pra trazer sorte? — Blackmanguera perguntou, apontando para o desenho.
— Para lembrar que a beleza está nas coisas pequenas que a gente quase pisa — Gabriel respondeu, olhando para o caminhoneiro.
Aquela frase, e a maneira como Gabriel olhou para ele, como se ele, Blackmanguera, fosse uma daquelas coisas pequenas e preciosas, atingiu-o em cheio.
O pneu foi consertado, mas Blackmanguera não foi embora. Ele foi com Gabriel tomar um café. O caminhoneiro contou sobre as estrelas no deserto, sobre o pôr do sol na serra. O ilustrador contou sobre a primeira flor que desenhou, sobre o cheiro da terra depois da chuva. Eles eram o céu e a terra, a estrada e o jardim.
Blackmanguera, cujo nome era Bruno, teve que partir. A estrada chamava. Mas pela primeira vez, a partida doeu. E Gabriel, cujo coração sempre foi quieto, sentiu um vazio no estúdio.
Uma semana depois, um envelope sem remetente chegou para Gabriel. Dentro, não havia carta. Apenas um desenho tosco, feito à caneta esferográfica em um guardanapo de posto. Era o *Peterbilt* de Bruno, e ao lado dele, um trevo-de-quatro-folhas do tamanho do caminhão. No canto, estava escrito: “Encontrei uma beleza grande pra caramba. Volto na próxima semana. – Manguera.”




