Angel Elias gets fucked by Harrison Feels
O armazém 13B, na beira da zona portuária, era mais um esquecimento do que um lugar. O ar cheirava a sal, óleo queimado e abandono. Era aí que Angel Elias fazia seus concertos para um público de um.
Ele não tocava um instrumento comum. Diante dele, erguia-se A Criatura: uma fusão visceral de cordas de aço, tubos de cobre enferrujados, válvulas de rádio antigas e uma dúzia de alto-falantes de diferentes eras. Não era construída para beleza, mas para verdade sônica. Angel, de olhos profundos e mãos marcadas por fios de cobre, era um ressuscitador. Ele conectava eletrodos a objetos que guardavam memórias emocionais – um relógio de bolso de um pai falecido, um diário com manchas de lágrimas, um brinquedo quebrado – e usava A Criatura para amplificar e traduzir seus ecos emocionais em música. Não eram melodias bonitas; eram paisagens sonoras brutas, tempestades de saudade, riachos de alegria perdida. Era terapia sônica radical, e seu nome circulava em sussurros entre os despedaçados.
Naquela noite, seu cliente era Harrison Feels. O nome soava irônico, dado o homem que entrou no armazém. Harrison era a definição de contido. Terno impecável, postura rígida, expressão uma máscara de polidez neutra. Ele trabalhava em “Gerenciamento de Riscos Emocionais” para uma megacorporação, treinando pessoas para otimizar sentimentos e eliminar “vazamentos afetivos” improdutivos. Ele era um arquiteto de apatia. Mas até os arquitetos têm alicerces rachados.
“Sr. Feels,” Angel cumprimentou, sem cerimônia. “Você trouxe o objeto?”
Harrison abriu uma maleta de alumínio e, com movimentos quase clínicos, retirou um pequeno carrinho de madeira, surrado e faltando uma roda. “Um artefato da infância. Sem significado afetivo residual significativo, creio eu. Mas meu terapeuta insistiu em métodos… não convencionais.”
Angel pegou o carrinho com uma reverência que Harrison não compreendeu. Sentiu o peso, o desgaste nos lugares onde pequenas mãos o haviam segurado. “Significado não se mede, Sr. Feels. Ele ressoa. Sente-se.”
Harrison sentou-se na única cadeira, erguendo-se rígido, enquanto Angel conectava fios finíssimos a pontos específicos do brinquedo – o eixo da roda faltante, a marca de dentes na madeira – e os ligava a A Criatura. O armazém mergulhou em uma escuridão, exceto pela fraca luz de válvulas aquecendo-se.
Então, Angel tocou.
O som que saiu não foi uma música, mas uma explosão de verão. O assobio agudo de um melro, o ruído de gravel sob pneus de bicicleta, o eco distante de crianças gritando. Sons de uma tarde infinita e segura. Harrison não se moveu, mas seu queixo se contraiu.
Angel girou um dial. O som se aprofundou, transformou-se. Surgiu o som abafado de vozes adultas discutindo atrás de uma porta fechada, o click-clack ansioso de saltos no corredor, o silêncio súbito e opressivo que se segue a uma porta batida. A música de A Criatura era agora uma tensão aguda, um fio prestes a arrebentar.
Harrison respirou fundo, um movimento controlado. Suas mãos, pousadas sobre os joelhos, apertaram-se levemente.
Então, veio o terceiro movimento. Angel fechou os olhos, deixando as mãos pairar sobre os controles, seguindo a corrente emocional do objeto. O som tornou-se único, puro: o rangido rítmico, solitário e infinitamente triste daquela única roda de madeira rolando sobre um assoalho de tábuas, no quarto silencioso de uma criança que aprendeu, naquele dia, que a segurança é um brinquedo que pode se quebrar. Era um som de descoberta e de perda, fundidos numa única nota prolongada e dilacerante.




