Muscle 3Some – Andres Vergel, Tiago Marza and Tiago Costa

A cidade de Porto Velho dormia sob uma névoa que subia do rio, misturando-se à fumaça dos últimos ônibus. Na varanda apertada do apartamento 304 do Edifício São Marcos, três homens dividiam um silêncio mais antigo do que a amizade deles.
**Andres Vergel**, o mais velho, com as mãos marcadas pela alvenaria, segurava um violão sem tocar. Ele olhava para as luzes distantes do cais, onde, vinte anos atrás, carregava sacas de café. Seu rosto era um mapa de resignação tranquila.
**Tiago Marza** estava encostado no parapeito, fumando. Seus dedos, ágeis o suficiente para consertar a fiação elétrica de meio bairro, tamborilavam um ritmo nervoso no concreto. Ele usava uma jaqueta de couro rachada, o uniforme de quem nunca se sentiu totalmente em casa. Seus olhos, vivos e inquietos, viam problemas e soluções em cada fio exposto do mundo.
— O Costa tá demorando — disse Marza, baixinho, cuspindo um pouco de fumaça para a névoa. — Disse que tinha um negócio.
— O “negócio” do Costa é sempre o mesmo — respondeu Vergel, com uma voz áspera e serena. — Vender vento e comprar tempestade.
O terceiro, **Tiago Costa**, chegou como sempre chegava: sem fazer barulho, mas preenchendo o espaço. Um homem de terno que parecia sempre um pouco amarrotado, mesmo quando novo. Ele carregava uma sacola de pão e três latas de cerveja gelada.
— Perdão, meus camaradas — disse Costa, seu sorriso fácil iluminando o rosto redondo. — O trânsito na Avenida Central é uma epopeia grega. Tragédia pura.
Ele distribuiu as cervejas. Vergel aceitou com um aceno quieto. Marza pegou a dele sem largar o cigarro.
— E então? Qual é o negócio? — perguntou Marza, direto ao ponto.
Costa apoiou-se na varanda, ao lado de Vergel, e contemplou a mesma vista, mas parecia ver algo totalmente diferente. Onde Vergel via o passado e Marza via fios soltos, Costa via… oportunidade.
— O velho Salgado — começou ele, baixando a voz — vai vender o armazém dele na Rua da Ladeira. O prédio vai abaixo. Mas o que interessa não é o prédio. É o que tá *embaixo*.
Marza franziu a testa. — Ratos e umidade?
— O porão, Tiago. O porão dele faz divisa com a fundação do antigo Cine Teatro Imperial. Que desabou em 58. — Costa fez uma pausa dramática, tomando um gole. — Onde vocês acham que foi parar a estátua de bronze da Liberdade que ficava no hall? A que sumiu nos escombros e ninguém nunca catalogou?
Vergel finalmente se moveu, colocando o violão de lado com cuidado. — Você quer que a gente cave um túnel. Debaixo da Rua da Ladeira. Para roubar uma estátua fantasma.
— Não é roubar, Andres — corrigiu Costa, suavemente. — É *resgatar* patrimônio histórico antes que as escavadeiras da construtora o transformem em entulho. E… dividir o lucro da sucata de bronze de maneira justa, claro.
Marza riu, um som seco. — Loucura. A Ladeira é instável. O prédio do Salgado pode cair na nossa cabeça.
— Por isso você tá aqui, Marza — disse Costa, apontando para ele com a lata de cerveja. — Para dizer onde escavar e onde colocar os suportes. Ninguém conhece as tripas dessa cidade como você. E você, Vergel… você ergueu meio Porto Velho com as próprias mãos. Sabe como a pedra fala, sabe onde a terra é firme.
Os três ficaram em silêncio, bebendo. A névoa começava a engolir as luzes do cais. Vergel olhou para suas mãos calejadas, depois para os olhos brilhantes de Costa, cheios de planos, e para o rosto tenso de Marza, já calculando ângulos e riscos.
Era uma loucura. A loucura particular de Tiago Costa, que sempre cheirava o cheiro do dinheiro antes que ele existisse.
Mas também era uma chance. Uma última aventura antes que a idade e a rotina os engolissem por completo. Um projeto. Algo para fazerem juntos, não como jovens irresponsáveis, mas como homens que ainda podiam usar suas habilidades para algo mais do que sobreviver.
Vergel terminou sua cerveja e colocou a lata no chão com um clique suave.
— Precisamos de um mapa — disse ele, simplesmente.
Um sorriso lento se abriu no rosto de Tiago Marza. Ele esmagou o cigarro no parapeito. — Eu consigo as plantas antigas da prefeitura. Tenho um amigo no arquivo.
Costa não disse “eu avisei” ou “obrigado”. Seu olhar, por um momento, perdeu a calculista e mostrou uma genuína afeição. Ele apenas abriu a sacola de pão e tirou três pães franceses amanhecidos.
— Então é combinado — disse ele, distribuindo o pão. — Primeiro, o jantar. Depois, a operação resgate.
Na varanda do 304, sob a névoa e as estrelas fracas, três homens mordiscaram pão seco e começaram a planejar o roubo do século — ou, pelo menos, o roubo mais improvável e nostálgico da Rua da Ladeira. O som do rio distante se misturava aos sussurros deles, e pela primeira vez em muitos anos, o futuro não parecia apenas uma linha reta e desbotada. Parecia um túnel, escuro e perigoso, levando a um tesouro esquecido.




