O mundo de **AfroBlackXXX** era digital, um reino de batidas pesadas e letras afiadas. Ele era um produtor de beats, um arquiteto de atmosferas sonoras que dominava as plataformas de streaming. Sua fama era anônima, escondida atrás do avatar estilizado e do nome enigmático. Sua vida real era um apartamento escuro, iluminado apenas pelas telas de seus monitores e pelo brilho vermelho de seus equipamentos. Ele construía mundos sonoros para outros habitarem, enquanto ele mesmo vivia na solidão.
O mundo de **John Black** era físico, tangível. Ele era um padeiro, dono de uma pequena padaria de bairro chamada “Black’s Hearth”. Seus dias começavam às 3h da manhã, marcados pelo cheiro de fermento, pelo calor do forno e pelo som do amassar da massa. Suas mãos, fortes e enfarinhadas, criavam pães que alimentavam corpos e almas. Ele era um homem de raízes, de rotina, cujo trabalho era alimentar a comunidade ao seu redor.
Seus caminhos se cruzaram na madrugada. AfroBlackXXX, insone e sobrecarregado por um bloqueio criativo, vagava pelas ruas desertas quando o cheiro inconfundível de pão fresco o guiou até a padaria de John. A luz quente do estabelecimiento era um farol contra o céu escuro.
Hesitante, ele entrou. O local era simples, aconchegante, com fotos antigas nas paredes. John estava atrás do balcão, tirando uma fornada de pães de forma. Ele ergueu os olhos e viu um homem com olheiras profundas e um casaco com capuz, parecendo um fantasma.
— Pode entrar, irmão. O primeiro pão do dia é sempre o mais abençoado — John disse, sua voz era surpreendentemente suave, um contraste com seus ombros largos.
AfroBlackXXX pediu um café e um pão. Enquanto comia, ele não conseguia parar de observar John trabalhar. Havia uma cadência, um ritmo na maneira como ele movia as bandejas, como moldava a massa. Era uma coreografia prática e ancestral.
— Você trabalha com som, é? — John perguntou, limpando o balcão com um pano.
AfroBlackXXX ficou surpreso. — Como… como você sabia?
John apontou para as mãos dele, que batucavam uma batida complexa no balcão de madeira. — Essas mãos não foram feitas para silêncio.
Aquela observação simples, vinda de um estranho na madrugada, tocou-o de uma forma profunda. Ele, que se escondia atrás de um pseudônimo, tinha sido visto.
Ele começou a ir à padaria todas as madrugadas. Tornou-se seu ritual. Enquanto John trabalhava, AfroBlackXXX sentava em um canto, às vezes com seus fones, outras vezes apenas ouvindo os sons da padaria: o burburinho do fermento, o rangido das prateleiras, o sussurro do rádio velho. Aquele ambiente físico e quente tornou-se seu santuário contra o mundo digital e frio.
John, por sua vez, começou a ouvir as músicas de AfroBlackXXX. Ele não entendia a cultura das batidas ou as letras, mas ouvia a emoção por trás delas. Ouviu a solidão, a fúria e, oculto sob as camadas de som, um anseio por conexão.
Uma madrugada, John entregou a AfroBlackXXX um pão em formato de um coração.
— É massa de fermentação lenta — ele explicou, um leve rubor em seu rosto. — Leva tempo, paciência. Como algumas coisas boas da vida.
AfroBlackXXX segurou o pão quente, sua superfície áspera e irregular. Era a coisa mais real que ele tinha segurado em meses.
— Meu nome é Marcus — ele disse, abandonando o personagem.
— Eu sei — John respetuoso. — Eu pesquisei. Nos créditos daquela mixtape underground. Meu nome é John. Sem pseudônimo.




