A cidade de Porto Marfim vivia do ritmo do mar e do som das serras elétricas. Na oficina de construção naval **Oteo & Macedo**, o ar cheirava a madeira de cedro lixada e verniz. **Dante Oteo**, com as mãos calejadas e um olho clínico para a linha de um casco, era o coração da oficina. **David Macedo**, seu parceiro de negócios e de vida há vinte anos, era o cérebro — meticuloso, organizado, o homem dos cálculos e dos prazos. Juntos, eram uma dupla lendária, construindo iates de sonho para os ricos e poderosos. Seu amor era sólido e tranquilo como um barco bem construído.
Até o dia em que **Alex Tremo** apareceu.
Alex era um escultor, contratado por um cliente excêntrico para criar uma figura de proa única — uma mulher alada emergindo das ondas, feita de mil pedaços de madeira exótica. Ele chegou à oficina como um terremoto, trazendo caixas de ferramentas incomuns, música experimental tocando num velho rádio e uma energia que desafiava a ordem estabelecida.
Dante ficou fascinado desde o primeiro instante. Alex trabalhava com uma paixão visceral, cantarolando, suando, batendo com o martelo num ritmo que parecia vir de outro mundo. Ele não construía; ele dava à luz formas da madeira.
David, por outro lado, via apenas o caos. “Ele está atrasando o projeto, Dante. A madeira de teca está bloqueada pelas tralhas dele.”
“Ele é um artista, David. É diferente de nós”, Dante respondia, seus olhos seguindo Alex com uma curiosidade que ia além do profissional.
Alex, por sua vez, sentiu a atração imediata. Dante representava uma solidez que ele, nômade e impulsivo, nunca conhecera. E David… David era um desafio. Uma mente afiada por trás de óculos de aro fino, que ele queria desvendar.
As tensões cresceram. David marcava com giz no chão o espaço permitido para Alex. Alex, de propósito, colocava um cavalete cinco centímetros fora da linha. Dante ficava no meio, dividido.
A crise explodiu quando Alex, num impulso de inspiração, usou um pedaço de mogno reservado para o convés principal. David ficou furioso. “Isto é inaceitável, Dante! Não podemos gerir uma oficina assim!”
A discussão foi feia e aconteceu atrás do armazém, longe dos outros funcionários.
“Você não consegue ver nada que não esteja num plano, não é, David?” Alex disse, seus dedos ainda manchados de tinta. “Não consegue ver a beleza no acaso.”
“Eu vejo orçamentos e prazos! Algo que artistas irresponsáveis como você ignora!”
“Parem os dois!”, interveio Dante, sua voz carregada de uma angústia que fez ambos se calarem. “Isto… isto não é só sobre a madeira, pois não?”




