Leather and Pain – João Alves, Marcelo Russo, Victor Nalla

O vento soprava frio na pequena praça onde João Alves se sentava todas as tardes, tentando capturar a luz dourada do entardecer em seu caderno de esboços. Ele era um homem quieto, cujas palavras eram poucas, mas cujos traços contavam histórias inteiras. Seus olhos, de um castanho tranquilo, perscrutavam o mundo à procura de beleza escondida.
Foi assim que ele viu Marcelo Russo pela primeira vez.
Marcelo era o oposto de João. Dono de um café acolhedor do outro lado da praça, ele era uma explosão de energia. Cabelos escuros sempre um pouco desarrumados, um sorriso fácil que chegava antes dele e uma voz calorosa que ecoava entre as mesas, perguntando aos clientes se precisavam de mais alguma coisa. João observava de longe, esboçando a forma dinâmica daquele homem que parecia abraçar a vida com ambas as mãos.
Um dia, uma chuva repentina pegou João desprevenido. Ele se refugiou sob a marquise do café, o caderno pressionado contra o peito. A porta se abriu.
“Entra, homem! Vais ficar encharcado aí,” disse Marcelo, puxando-o para dentro do calor do estabelecimento.
O interior cheirava a café moído na hora e canela. João, envergonhado, agradeceu com um aceno de cabeça. Enquanto secava, seu caderno escorregou e abriu-se no chão, exibindo uma página cheia de esboços… do próprio Marcelo.
Um silêncio constrangedor pairou no ar. Marcelo pegou o caderno, seus olhos percorrendo os desenhos com uma curiosidade intensa.
“Estes são… incríveis,” sussurrou Marcelo, e seu tom habitual e expansivo tinha dado lugar a algo mais suave, mais genuíno. “É assim que me vês?”
João apenas assentiu, o coração batendo forte.
A partir daquele dia, uma dança começou. João visitava o café não mais como um espectador distante, mas como um convidado. Marcelo, por sua vez, descobria a quietude. Aprendeu a sentar-se em silêncio com João, a observar o mundo através da janela, a encontrar paz na presença calma do artista.
E então, houve Victor Nalla.
Victor era o melhor amigo de Marcelo, um escultor cuja presença era tão sólida e impressionante quanto as estátuas que criava. Onde Marcelo era fogo, Victor era terra. Onde João era ar, Victor era rocha. Ele era o pilar de ambos, o confidente que via o que ninguém mais via.
Foi Victor quem, numa noite em que os três tomavam vinho no café depois de fechado, olhou para João e Marcelo e disse, com sua voz grave: “Vocês dois são como duas metades de uma mesma concha. Diferentes por fora, mas que se encaixam perfeitamente para proteger a pérola que têm dentro.”
João corou. Marcelo riu, mas sua mão encontrou a de João sob a mesa. A metáfora de Victor era perfeita. Eles estavam se protegendo, nutrindo um ao outro. João trouxe serenidade para a vida tempestuosa de Marcelo. Marcelo trouxe cor e calor para o mundo monocromático de João.
O amor deles não foi um furacão, mas sim o desabrochar lento e constante de uma flor. Aprenderam que o amor de João era como um de seus esboços: detalhado, paciente, construído camada por camada. O amor de Marcelo era como o seu café: forte, reconfortante, algo que te aquecia por dentro e te mantinha acordado para as maravilhas da vida.
Numa tarde de primavera, um ano depois, João levou Marcelo até à sua casa. No estúdio, sobre um cavalete, estava uma única pintura. Era Marcelo, não em movimento, mas em um raro momento de quietude, olhando pela janela do café. A luz do entardecer banhava seu rosto, e nos seus olhos, João tinha capturado não a agitação habitual, mas uma profunda e serena felicidade.
“É assim que te vejo,” disse João, sua voz firme pela primeira vez. “É assim que me fazes sentir.”
Marcelo não disse nada. Apenas puxou João para um abraço que continha todas as palavras não ditas. Do lado de fora, apoiado na porta do estúdio, Victor assistia com um sorriso tranquilo. Sua obra-prima não era de mármore ou bronze, mas aquele amor que ele ajudara, em sua própria maneira silenciosa, a esculpir e a proteger. Ele sabia que, às vezes, a mais bela história de amor não é sobre encontrar a sua outra metade, mas sobre duas pessoas completas que decidem caminhar juntas, com um amigo como testemunha do caminho que percorreram.