
O mundo de Estela girava em torno de dois eixos: a dança e os pés de um certo alguém. Mais especificamente, os pés calçados com um tênis branco impecável que ela via todas as tardes no ponto de ônibus.
Ela os chamava, em seus pensamentos, de **Str8**. Eles eram perfeitos. Nem muito grandes, nem muito pequenos, sempre firmes no chão, denotando uma confiança silenciosa que ela admirava. Os tênis eram sempre limpos, os cadarços amarrados com uma precisão que era quase uma arte. Estela, uma bailarina cujos próprios pés suportavam dores e calos pela arte, via naquela solidez uma âncora.
O dono dos pés era um rapaz que lia livros de capa dura e usava fones de ouvido grandes. Ela nunca ouvira sua voz. Ele era “o crush dos pés retos”, ou, em sua mente, **FeetCrush**. Um crush construído sobre alicerces de silêncio e observação.
Um dia, uma chuva impiedosa surpreendeu a cidade. Estela se abrigou sob a marquise do ponto, mas a água jorrava de todos os lados. De repente, viu **FeetCrush** se aproximando, segurando um guarda-chuva preto. Ele parou ao seu lado.
“Vai ficar encharcada,” disse ele, sua voz mais suave do que ela imaginara. Era a primeira vez que ouvia **Str8FeetCrush** falar.
Ele a acompanhou até a escola de dança, dividindo o guarda-chuva. No caminho, um carro passou por uma poça, lançando uma cortina de água suja em sua direção. Num reflexo, **FeetCrush** girou, protegendo-a e levando o jorro de água nas costas. Os impecáveis tênis **Str8** foram salpicados de lama.
“Seus tênis novos!” ela exclamou, sentindo uma pontada de culpa.
Ele olhou para os pés e depois para ela, com um sorriso tranquilo. “São só tênis. Secam.”