1..2..3..fuck – Kike Gil, Viktor Rom

O sol era um inimigo. Ele castigava a terra ressecada e transformava o ar em um forno. Para Kike Gil, no entanto, aquele era o único mundo que conhecia. Suas mãos, calejadas e sábias, entendiam a linguagem secreta das videiras teimosas que cresciam no vale. Ele era a quinta geração a cuidar daquelas uvas, e seu suor era o tempero do vinho simples, porém honesto, que sua família produzia.
Do outro lado do vale, por trás de um muro alto de pedra, ficava a Vinícola Rom. Lá, o ar cheirava a dinheiro novo e a tecnologia de aço inoxidável. Viktor Rom, neto do fundador, era um esnobe de ternos impecáveis que nunca sujara as mãos. Ele desdenhava o “vinho de aldeão” de Kike e falava em “padrões internacionais” e “notas de bouquet”.
O destino, porém, é um mestre do humor. Uma praga fúngica ameaçou dizimar as videiras de todo o vale. As máquinas caríssimas de Viktor foram inúteis. Seus enólogos, impotentes. Foi Kike, com suas receitas antigas e remédios caseiros feitos de ervas daninhas, quem encontrou a cura.
Viktor foi até a pequena propriedade de Kike, engolindo seu orgulho. Esperava encontrar um homem rude e simples. Em vez disso, encontrou Kike no campo, com os braços mergulhados na terra, cantarolando uma canção antiga para as plantas. Havia uma paz nele, uma conexão visceral com a vida que Viktor, em sua bolha de luxo, nunca experimentara.
“Ensine-me,” Viktor pediu, sua voz rouca, não de autoridade, mas de humildade.